sábado, 26 de abril de 2014

Riacho Salgadinho: um rio de lágrimas

Na capital, poluição de águas fluviais põe em risco a saúde de milhares de alagoanos

Repórteres
Abidias Martins
Itawi Albuquerque
Márcio Anastácio

Ao fundo, a praia da Avenida onde deságua  toda sujeira do salgadinho. Um verdadeiro contraste.
 Foto: Itawi Albuquerque 

Só com imagens antigas, do início do século do XX, é possível viajar pelo passado, mergulhar em um período que nem de longe existe mais. Ele já foi conhecido como rio da integração de Maceió, as águas cristalinas abrigavam vida aquática e suas margens eram palco das brincadeiras de crianças e adolescentes. Hoje, o riacho Salgadinho põe em risco a saúde de milhares de alagoanos, e tornou-se um expoente histórico de descaso do poder público.

“O Rio era limpo, tinha peixe, não tinha calçada, inclusive, a minha mãe lavava roupa num chafariz que tinha perto e enxaguava nas águas do Salgadinho”, lembra Marinalva Santos. A professora que quando ainda menina, banhou-se nas águas do Salgadinho, hoje acompanha o crescimento dos seus netos à margem de um esgoto a céu aberto.



Conhecido primeiramente como Maçayó, a extensão do riacho Reginaldo, só ganha o nome de Salgadinho perto da sua foz, quando entra em contato direto com água do mar. Sua nascente ficava no Poço Azul, localizado no bairro do Jardim Petrópolis, em Maceió. Ela já não existe mais a cerca de dois anos. 

O desmatamento da vegetação nativa, a impermeabilização do solo e a explosão de poços artesianos particulares são apontados por especialistas como os principais fatores de extinção da nascente. Segundo os últimos estudos de Hidrologia Urbana da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), a bacia hidrográfica do Reginaldo tem treze quilômetros de extensão, corta dezessete bairros de Maceió e faz parte da vida de cerca de 100 mil pessoas.

Para o especialista em Hidrologia Urbana, Marllus Neves, o crescimento desordenado da cidade foi um dos grandes causadores deste problema ambiental da capital alagoana. “Historicamente, os rios sempre foram um fator de aglutinação de pessoas. Em Maceió, o riacho Salgadinho passou de um ambiente de convivência para um lugar onde você joga seus dejetos e ele leva para o mais longe possível”, disse o hidrólogo.

Urubus comem carniças e lixos acumulados na praia da Avenida após inundação do Salgadinho.  
Foto: Itawi Albuquerque

Contato com a poluição diminui expectativa de vida

Na grota do aterro, não é difícil encontrar crianças brincando próximo às águas poluídas do riacho. Em tempo de chuva, elas chegam a tomar banho nos córregos localizados na comunidade. Em meio a insetos, dejetos sólidos e esgoto, elas são as que mais sofrem com problemas de saúde causados pela poluição. Isto acontece porque os seus sistemas imunológicos não são completos, estão em fase de desenvolvimento.

Dr. Fernando Luiz de Andadre. Foto: Abidias Martins
O médico do Hospital de Doenças Tropicais (HDT), Fernando Luiz de Andrade, explica que são constantes os atendimentos a moradores das áreas próximas ao rio poluído. “A gente recebe quadros de infecção o ano todo, é claro que no tempo de chuva esse índice aumenta por conta das inundações. É principalmente em contato com as águas poluídas que as pessoas contraem as doenças”, revela o especialista do HDT.

De acordo com o infectologista do SUS, as patologias mais registradas pelo HDT são diarreia bacteriana, causada pela contaminação de água ou alimentos por meio da bactéria Shigella; hepatite do tipo A, um tipo de vírus encontrado no sangue e fezes humanas; leptospirose, transmitida pela urina do rato, além de parasitoses intestinais como: a ascaridíase, conhecida como lombriga, a teníase – comumente chamada de solitária, ancilostomíase – conhecido como amarelão, dentre outras.

 “Meu filho hoje tem 19 anos, mas eu já sofri muito para cuidar dele, caiu no córrego com três aninhos e até hoje ele tem ameba, é anêmico, asmático e o médico só fala que é por causa disso aqui. Agora eu estou sofrendo com o meu neto” lamenta a empregada doméstica Marília da Silva.

Com expectativa de vida abaixo da média nacional, Alagoas vê os seus indicadores sociais sendo puxados para baixo por influência da contaminação do meio ambiente. “Em âmbito global, se a pessoa vive a vida toda nessas áreas, ela tende a viver menos. A infecção de repetição pode causar outras doenças e até levar à morte”, alerta o médico.

A diminuição da longevidade de homens e mulheres, quando expostos à poluição, é notada desde a fase infantil. “As parasitoses e infecções intestinais repetidas afetam o desenvolvimento físico e cognitivo, inclusive, atrasam o crescimento intelectual na escola, por exemplo,” afirma o infectologista. 

Sem intervenção, devastação ambiental avança

A transformação do riacho de águas limpas para um esgoto a céu aberto teve início no bairro do Canaã, parte alta da capital alagoana. O déficit habitacional enviou até as margens do rio, milhares de famílias. Para construir suas casas, as pessoas derrubaram a mata ciliar, composta por árvores nativas da região ribeirinha.

Em seu livro “Canais e Lagoas”, o jornalista Octávio Brandão, já em 1916 alertava: “O Reginaldo é um rio infante com as graves mazelas dos rios velhos. Nisto, há um culpado: é o homem que, criminalmente, cortou suas matas”.

Para constatar essa realidade, é só observar a extensão que vai da Grota do Canaã até o Vale do Reginaldo. Lá, a maioria das casas possui ligações feitas com tubos de PVC que levam diretamente para o rio, fezes, urinas, restos de alimentos, águas com sabão e outros tipos de dejetos. Nas margens da bacia hidrográfica, são cerca de 40 mil casas sem saneamento básico atacando, desta forma, o meio ambiente diariamente.

Atualmente não existe nenhuma ação concreta por parte do poder público, cuja intenção seja enfrentar o problema com a grandiosidade que ele merece. Medidas paliativas vêm sendo desenvolvidas pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA). “Temos projetos no âmbito municipal e estadual. Consistem em várias intervenções como: realocação de parte da população, drenagens, pavimentações, coletas de esgotos, limpezas e abertura de vias”, destaca o diretor técnico do IMA, Ricardo César.

Para o especialista em hidrologia urbana, Marllus Neves, é necessário além de educação ambiental, consciência política. “A palavra chave é o saneamento, a educação tem que vir não só para dizer às pessoas que não podem jogar lixo, mas educar para cobrar o poder público para fazer a parte dele”, enfatiza o especialista.

Trabalhadores recolhendo lixo na Praia da Avenida. Dois sofás foram arrastados pelas fortes correnteza do salgadinho. Foto: Itawi Albuquerque

Riacho possui projeto de despoluição

Ao redor do mundo, não é difícil encontrar exemplos de rios que foram despoluídos. Um deles é o Tâmisa, na Inglaterra,  que chegou a ser conhecido como “Grande Fedor”. Na Inglaterra, é possível encontrar registros de mortes devido ao seu alto nível de poluição. Para a sua recuperação, foram necessários 150 anos de investimentos. Na França o Sena, teve seu processo de reabilitação iniciado em 1996, e segue em processo contínuo de despoluição. Estima-se que até 2015 o rio esteja completamente recuperado.
Mas não é preciso ir muito longe, para encontrar iniciativas públicas cuja intenção é despoluir. O Projeto Tietê, iniciado em 1992, pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) já está na terceira etapa, prevista para ser concluída em 2016, com investimento superior a R$ 4 bilhões. Como é um projeto a logo prazo, ainda não se pode ver os resultados. 
Em Pernambuco, o Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, prevê a construção de sistemas de esgotamento sanitário, projeto de uma nova estação de tratamento de todo o esgoto de Petrolina, além de ações para a recuperação da fauna. Ao todo, são mais de R$ 78 milhões em investimentos. Os recursos foram liberados em Março pelo Governo Federal.
Em Maceió, a despoluição do Salgadinho já possui um projeto concreto, assinado pelo engenheiro Vinícius Maia Nobre. “Se criaria coletores laterais, que substituiriam os atuais esgotos irregulares. Isso seria o emissário terrestre. Daí o esgoto segue para uma estação elevatória, que é uma caixa coletora bem maior para ser tratado”, explica o especialista. Depois disso se daria início à segunda etapa do processo de tratamento. “Na caixa coletora a parte sólida é retirada e destinada ao aterro sanitário. Já o líquido, é despejado numa altura próxima da rua na direção do emissário” finaliza.
Para recuperar as águas do Salgadinho seriam necessários mais de R$ 250 milhões. Só que o maior desafio é iniciar as obras, já que se trata de um projeto de estado e não de governo. E assim como a maioria da população, a professora Marinalva mantém a esperança de que isso possa acontecer. “Sonhar, eu sonho, mas a vontade política é pouca”, desabafou a educadora. 
Assista o vídeo abaixo e perceba o quanto é preciso revitalizar o Salgadinho para que futuras gerações não sejam vítimas de doenças e contaminações. 



GALERIA DE FOTOS ll clique para ampliar


Enchente no salgadinho com 
destruição da ponte e 
linha férrea. Arquivo MISA
Uma pessoa desce do carro para 
observar e contemplar às águas
do Salgadinho. Arquivo MISA


No início do século XX, poucas
casas, a maioria de taipa, 
às margens do Salgadinho.
Arquivo MISA


Natureza viva no Salgadinho.
Imagem rara. Arquivo MISA




 Falta de educação: fator que
desencadeia o aumento da poluição
 do rio e a falta de tratamento 
adequado à água e principalmente
aos esgotos que caem no percurso
do rio. Foto: Itawi Albuquerque
O rio sofreu intervenção urbana e 
hoje é visto como esgoto.
Foto: Itawi Albuquerque
É possível imaginar que está orla
teria potencial turístico e imobiliário. 
Foto: Itawi Albuquerque
Pessoas observam a triste 
cena da poluição do rio. 
Foto: Itawi Albuquerque
Materiais como plástico e borracha 
de difícil degradação podem 
durar séculos para se decompor
Foto: Itawi Albuquerque
É comum ver, muito cedo, garis 
fazendo uma limpeza superficial
na praia. Ação da prefeitura
parece interminável.
Foto: Itawi Albuquerque
Pichação "Lágrimas de sangue"
resumem o sofrimento do rio.
    Foto: Itawi Albuquerque
Triste contraste de um belo azul
do mar recebendo água e lixo do 
riacho salgadinho. Foto: 
Itawi Albuquerque
          


























































Setor imobiliário da região é 
desvalorizado por causa do acúmulo 
de resíduos sólidos na praia da 
Avenida. Foto: Itawi Albuquerque

Lixo se acumula por toda a praia.
Foto: Itawi Albuquerque

3 comentários:

  1. “E para aqueles que ainda imaginam que as questões ambientais são preocupações de poetas, gostaria de alertar, como economista de formação profissional que, o que chamamos de problema ecológico hoje, é o que chamaremos de problema social e econômico amanhã.”
    (Carlos Drummond de Andrade)

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