Na capital, poluição de águas fluviais
põe em risco a saúde de milhares de alagoanos
Repórteres
Abidias
Martins
Itawi
Albuquerque
Márcio Anastácio
Ao fundo, a praia da Avenida onde deságua toda sujeira do salgadinho. Um verdadeiro contraste. Foto: Itawi Albuquerque |
Só com imagens antigas, do início do século do XX, é possível
viajar pelo passado, mergulhar em um período que nem de longe existe mais. Ele
já foi conhecido como rio da integração de Maceió, as águas cristalinas abrigavam
vida aquática e suas margens eram palco das brincadeiras de crianças e
adolescentes. Hoje, o riacho Salgadinho põe em risco a saúde de milhares de
alagoanos, e tornou-se um expoente histórico de descaso do poder público.
“O Rio era limpo, tinha peixe, não tinha calçada, inclusive, a
minha mãe lavava roupa num chafariz que tinha perto e enxaguava nas águas do Salgadinho”,
lembra Marinalva Santos. A professora que quando ainda menina, banhou-se nas
águas do Salgadinho, hoje acompanha o crescimento dos seus netos à margem de um
esgoto a céu aberto.
Conhecido primeiramente como Maçayó, a extensão do riacho Reginaldo,
só ganha o nome de Salgadinho perto da sua foz, quando entra em contato direto
com água do mar. Sua nascente ficava no Poço Azul, localizado no bairro do
Jardim Petrópolis, em Maceió. Ela já não existe mais a cerca de dois anos.
O desmatamento da vegetação
nativa, a impermeabilização do solo e a explosão
de poços artesianos particulares são apontados por especialistas como os
principais fatores de extinção da nascente. Segundo os últimos estudos de Hidrologia Urbana da Universidade
Federal de Alagoas (UFAL), a bacia hidrográfica do Reginaldo tem treze
quilômetros de extensão, corta dezessete bairros de Maceió e faz parte da vida
de cerca de 100 mil pessoas.
Para o especialista em Hidrologia Urbana, Marllus Neves, o
crescimento desordenado da cidade foi um dos grandes causadores deste problema
ambiental da capital alagoana. “Historicamente, os rios sempre foram um fator
de aglutinação de pessoas. Em Maceió, o riacho Salgadinho passou de um ambiente
de convivência para um lugar onde você joga seus dejetos e ele leva para o mais
longe possível”, disse o hidrólogo.
Urubus comem carniças e lixos acumulados na praia da Avenida após inundação do Salgadinho. Foto: Itawi Albuquerque |
Contato com
a poluição diminui expectativa de vida
Na grota do aterro, não é difícil encontrar crianças brincando
próximo às águas poluídas do riacho. Em tempo de chuva, elas chegam a tomar banho
nos córregos localizados na comunidade. Em meio a insetos, dejetos sólidos e
esgoto, elas são as que mais sofrem com problemas de saúde causados pela
poluição. Isto acontece porque os seus sistemas imunológicos não são completos,
estão em fase de desenvolvimento.
Dr. Fernando Luiz de Andadre. Foto: Abidias Martins |
O médico do Hospital de Doenças Tropicais (HDT), Fernando Luiz de
Andrade, explica que são constantes os atendimentos a moradores das
áreas próximas ao rio poluído. “A gente recebe quadros de infecção o ano todo,
é claro que no tempo de chuva esse índice aumenta por conta das inundações. É
principalmente em contato com as águas poluídas que as pessoas contraem as
doenças”, revela o especialista do HDT.
De acordo com o infectologista do SUS, as patologias mais
registradas pelo HDT são diarreia bacteriana, causada pela contaminação de água
ou alimentos por meio da bactéria Shigella;
hepatite do tipo A, um tipo de vírus encontrado no sangue e fezes humanas; leptospirose,
transmitida pela urina do rato, além de parasitoses intestinais como: a ascaridíase,
conhecida como lombriga, a teníase – comumente chamada de solitária,
ancilostomíase – conhecido como amarelão, dentre outras.
“Meu filho hoje tem 19
anos, mas eu já sofri muito para cuidar dele, caiu no córrego com três aninhos
e até hoje ele tem ameba, é anêmico, asmático e o médico só fala que é por
causa disso aqui. Agora eu estou sofrendo com o meu neto” lamenta a empregada
doméstica Marília da Silva.
Com expectativa de vida abaixo da média nacional, Alagoas vê os
seus indicadores sociais sendo puxados para baixo por influência da contaminação
do meio ambiente. “Em âmbito global, se a pessoa vive a vida toda nessas áreas,
ela tende a viver menos. A infecção de repetição pode causar outras doenças e
até levar à morte”, alerta o médico.
A diminuição da longevidade de homens e mulheres, quando expostos
à poluição, é notada desde a fase infantil. “As parasitoses e infecções
intestinais repetidas afetam o desenvolvimento físico e cognitivo, inclusive,
atrasam o crescimento intelectual na escola, por exemplo,” afirma o
infectologista.
Sem
intervenção, devastação ambiental avança
A transformação do riacho de águas limpas para um esgoto a céu
aberto teve início no bairro do Canaã, parte alta da capital alagoana. O déficit
habitacional enviou até as margens do rio, milhares de famílias. Para construir
suas casas, as pessoas derrubaram a mata ciliar, composta por árvores nativas
da região ribeirinha.
Em seu livro “Canais e Lagoas”, o jornalista Octávio Brandão, já em
1916 alertava: “O Reginaldo é um rio infante com as graves mazelas dos rios
velhos. Nisto, há um culpado: é o homem que, criminalmente, cortou suas matas”.
Para constatar essa realidade, é só observar a extensão que vai da
Grota do Canaã até o Vale do Reginaldo. Lá, a maioria das casas possui ligações
feitas com tubos de PVC que levam diretamente para o rio, fezes, urinas, restos
de alimentos, águas com sabão e outros tipos de dejetos. Nas margens da bacia
hidrográfica, são cerca de 40 mil casas sem saneamento básico atacando, desta
forma, o meio ambiente diariamente.
Atualmente não existe nenhuma ação concreta por parte do poder
público, cuja intenção seja enfrentar o problema com a grandiosidade que ele
merece. Medidas paliativas vêm sendo desenvolvidas pelo Instituto do Meio Ambiente
(IMA). “Temos projetos no
âmbito municipal e estadual. Consistem em várias intervenções como: realocação
de parte da população, drenagens, pavimentações, coletas de esgotos, limpezas e
abertura de vias”, destaca o diretor técnico do IMA, Ricardo César.
Para o especialista em hidrologia urbana, Marllus Neves, é necessário
além de educação ambiental, consciência política. “A palavra chave é o
saneamento, a educação tem que vir não só para dizer às pessoas que não podem
jogar lixo, mas educar para cobrar o poder público para fazer a parte dele”,
enfatiza o especialista.
Trabalhadores recolhendo lixo na Praia da Avenida. Dois sofás foram arrastados pelas fortes correnteza do salgadinho. Foto: Itawi Albuquerque |
Riacho possui
projeto de despoluição
Ao redor
do mundo, não é difícil encontrar exemplos de rios que foram despoluídos. Um
deles é o Tâmisa, na Inglaterra, que chegou a ser conhecido como
“Grande Fedor”. Na Inglaterra, é possível encontrar registros de mortes devido ao seu
alto nível de poluição. Para a sua recuperação, foram necessários 150 anos de
investimentos. Na França o Sena, teve seu processo de reabilitação iniciado
em 1996, e segue em processo contínuo de despoluição. Estima-se que até 2015 o
rio esteja completamente recuperado.
Mas não é
preciso ir muito longe, para encontrar iniciativas públicas cuja intenção é
despoluir. O Projeto Tietê, iniciado em 1992, pela Companhia de Saneamento
Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) já está na terceira etapa, prevista para
ser concluída em 2016, com investimento superior a R$ 4 bilhões. Como é um
projeto a logo prazo, ainda não se pode ver os resultados.
Em Pernambuco,
o Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco,
coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, prevê a construção de sistemas de
esgotamento sanitário, projeto de uma nova estação de tratamento de todo o
esgoto de Petrolina, além de ações para a recuperação da fauna. Ao todo, são
mais de R$ 78 milhões em investimentos. Os recursos foram liberados em Março
pelo Governo Federal.
Em Maceió,
a despoluição do Salgadinho já possui um projeto concreto, assinado pelo
engenheiro Vinícius Maia Nobre. “Se criaria coletores laterais, que
substituiriam os atuais esgotos irregulares. Isso seria o emissário terrestre.
Daí o esgoto segue para uma estação elevatória, que é uma caixa coletora bem
maior para ser tratado”, explica o especialista. Depois disso se daria início à
segunda etapa do processo de tratamento. “Na caixa coletora a parte sólida é
retirada e destinada ao aterro sanitário. Já o líquido, é despejado numa altura
próxima da rua na direção do emissário” finaliza.
Para
recuperar as águas do Salgadinho seriam necessários mais de R$ 250 milhões. Só que o maior desafio é iniciar as obras, já que se trata de um projeto
de estado e não de governo. E assim como a maioria da população, a professora Marinalva mantém a esperança de que isso possa acontecer. “Sonhar, eu sonho,
mas a vontade política é pouca”, desabafou a educadora.
Assista o vídeo abaixo e perceba o quanto é preciso revitalizar o Salgadinho para que futuras gerações não sejam vítimas de doenças e contaminações.
GALERIA DE FOTOS ll clique para ampliar
Enchente no salgadinho com destruição da ponte e linha férrea. Arquivo MISA |
Uma pessoa desce do carro para observar e contemplar às águas do Salgadinho. Arquivo MISA |
No início do século XX, poucas casas, a maioria de taipa, às margens do Salgadinho. Arquivo MISA |
Natureza viva no Salgadinho. Imagem rara. Arquivo MISA |
Falta de educação: fator que desencadeia o aumento da poluição do rio e a falta de tratamento adequado à água e principalmente aos esgotos que caem no percurso do rio. Foto: Itawi Albuquerque |
O rio sofreu intervenção urbana e hoje é visto como esgoto. Foto: Itawi Albuquerque |
É possível imaginar que está orla teria potencial turístico e imobiliário. Foto: Itawi Albuquerque |
Pessoas observam a triste cena da poluição do rio. Foto: Itawi Albuquerque |
Materiais como plástico e borracha de difícil degradação podem durar séculos para se decompor. Foto: Itawi Albuquerque |
É comum ver, muito cedo, garis fazendo uma limpeza superficial na praia. Ação da prefeitura parece interminável. Foto: Itawi Albuquerque |
Pichação "Lágrimas de sangue"
resumem o sofrimento do rio.
Foto: Itawi Albuquerque
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Triste contraste de um belo azul do mar recebendo água e lixo do riacho salgadinho. Foto: Itawi Albuquerque |